Juan J. Paz e Miño Cepeda*
Nas recentes eleições no Equador
a Alianza País ficou à frente. Mas os seus candidatos à presidência e à
vice-presidência não obtiveram votos suficientes para ganhar no primeiro turno.
E não será fácil vencerem no segundo, porque não só a direita e o imperialismo
apostarão tudo na outra candidatura, como se verificou uma deslocação do apoio
em setores populares.
No domingo, 19 de Fevereiro de
2017, realizaram-se no Equador eleições para presidente e vice-presidente,
membros da Assembleia Nacional, Parlamentares Andinos e uma consulta popular
para que os funcionários públicos e dignatários não possam ter capitais em
paraísos fiscais.
O SIM ganhou na consulta (com pelo menos 55%); e Alianza País (AP) terá maioria na Assembleia (previstos 64 dos 138 lugares) e ganha no Parlamento Andino.
O SIM ganhou na consulta (com pelo menos 55%); e Alianza País (AP) terá maioria na Assembleia (previstos 64 dos 138 lugares) e ganha no Parlamento Andino.
E o Executivo?
Todas as empresas de sondagens
previram o triunfo do binômio de AP Lenin Moreno/Jorge Glas. Mas a contagem
oficial, por parte do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e sobre a base de 98.5%
dos boletins de votos escrutinados (quarta-feira, 22 de fevereiro), atribuiu a
esse binômio 39.33% e ao ex-banqueiro Guillermo Lasso 28.19%. Moreno ficou
praticamente a um ponto de atingir os 40% requeridos (e além disso ter pelo
menos 10 pontos de vantagem sobre o candidato seguinte), para ganhar no
primeiro turno. O CNE admitiu que haverá segundo turno.
Mas essa diferença deu ânimo à
direita política, econômica e midiática que apoiou o banqueiro. Numa bem
orquestrada estratégia, antes do processo eleitoral, não só lançaram uma
“campanha suja” como difundiram a ideia de que se preparava uma “fraude eleitoral”;
e, com os resultados em marcha, ativaram outros mecanismos indubitavelmente já
preparados: vídeos de indivíduos detidos com mochilas cheias de votos já
preenchidos; simpatizantes de Lasso convocados a sair às ruas, exigir o segundo
turno antes ainda de os resultados oficiais serem conhecidos e vociferar contra
a escandalosa “fraude”.
Fizeram igualmente circular supostos pronunciamentos das forças armadas pedindo “transparência” do processo, desmentidos pelo Comando Conjunto; e levantaram a agressividade contra todo “cholo” e “correísta”. A “peluconería” (“cabeleiraria”, termo que descreve esses agressivos setores da classe “alta”) mobilizou-se da mesma forma que fizeram os “esquálidos” na Venezuela.
A direita política equatoriana
tem larga experiência histórica sobre o êxito que lhes podem proporcionar essas
campanhas, que contam agora com o apoio de uma série de meios de comunicação
privados, que passaram a ser os seus instrumentos ideológicos.
As direitas promoveram uma
intensa campanha contra o referendo constitucional de 1978 e atacaram a nova
Constituição de “comunista”. No mesmo ano, no primeiro turno, ficou à frente o
progressista Jaime Roldós, que no segundo devia enfrentar o social-cristão
Sixto Durán Ballén, cujo partido lançou então a ideia de “fraude”, ao mesmo
tempo em que Durán era pressionado a abandonar a sua candidatura e criar assim
um vazio que impedisse as eleições. Finalmente, ganhou Roldós (1979-1981). O
seu governo e o do sucessor Osvaldo Hurtado (1981-1984) foram sistematicamente
atacados de “comunistas” pelas direitas políticas e empresariais.
Nas eleições de 1984, o perdedor
no primeiro turno foi o social-cristão León Febres Cordero e novamente os seus
partidários vociferaram contra a “monstruosa fraude” eleitoral a favor de Rodrigo
Borja, candidato da Izquierda Democrática, que foi o vencedor; mas, como Febres
ganhou o segundo turno, nunca mais voltaram a falar do assunto.
O governo de Febres Cordero
(1984-1988) foi dos empresários e assim o proclamaram. Com ele houve imposições
violentas sobre o Congresso, onde não tinha maioria. E o país viveu uma
administração violadora da Constituição e dos direitos humanos, que inaugurou a
hegemonia do modelo empresarial/neoliberal, com vários escândalos de corrupção
que envolveram personagens do governo.
Em cada eleição posterior, as
direitas se anteciparam à previsão de uma “fraude”, cada vez que lhes conveio.
Assim voltaram a dizer quando triunfou Rodrigo Borja (1988-1992). Se eles não
estão no poder, não há fraude. É essa a consigna da sua experiência histórica.
Hoje prepararam o caminho com eficácia e, para o segundo turno, lançarão todo o
seu arsenal midiático e político a fim de impedir o triunfo dos candidatos de
AP.
É evidente que há uma aliança
poderosa entre as direitas políticas, as elites empresariais dos grêmios da
produção e os meios de comunicação privados colocados a seu serviço. Não os
preocupa carecer de maioria no Legislativo, nem a própria Constituição de 2008,
mas sim o controle do Executivo num sistema presidencialista no qual o
presidente é chefe do Estado e chefe do governo; e porque, além disso, sabem
como impor-se a toda institucionalidade contrária aos seus interesses, sem
descartar – como a experiência histórica do país verifica -, o uso da
repressão, o autoritarismo e a prepotência.
No Equador está em jogo um tipo
de economia e de sociedade iniciado pela Revolução Cidadã, que ficaria truncado
se triunfasse o outro projeto do ex-banqueiro Lasso e das suas forças de apoio.
Não só isso. No Equador está em jogo a vigência do ciclo de governos
progressistas, democráticos e de nova esquerda, os quais uma internacional
direitista e, sem dúvida, o imperialismo procuram derrotar, e já podem exibir
os seus “triunfos” na Argentina e no Brasil.
Mas está sobretudo em jogo a possibilidade de que a população equatoriana avance em maiores conquistas sociais, em institucionalidade e em democracia. Boa parte dos cidadãos parecem esquecer a história e deixaram-se seduzir pela ideia de que a “mudança” oferecida virá pela mão das elites que sempre os têm dominado.
O triunfo de AP no primeiro turno
não é garantia para o segundo, porque não só terá que enfrentar as forças
poderosas antes referidas, mas também tratar de modificar a consciência de
amplos setores da população que votaram contra ela.
AP ganha nas sete províncias da
Costa, o que altera o predomínio direitista nessa região, embora a tradicional
oligarquia costenha e particularmente de Guayaquil mantenha uma base eleitoral
nada desprezível. AP perdeu em cinco das 10 províncias da Serra, onde há uma
viragem conservadora, incluindo em províncias centrais com significativa
presença indígena onde Lasso ganha; também perde em Galápagos e em cinco das
seis províncias da Amazônia, onde provavelmente pesou o controverso
extrativismo mineral.
De modo que o triunfo no primeiro
turno tem algo de sabor amargo, a que há que somar o fato de não ter ao menos
alcançado os 40% da votação para evitar o segundo turno.
Não contam só os avanços das
forças opositoras; pesaram também os dois últimos anos da administração do
Presidente Rafael Correa, por certas viragens conceituais, decisões sobre leis
laborais, o tratado comercial com a Europa, as alianças público/privadas, o
endividamento, a forte recessão econômica e as ampliadas denúncias da oposição
sobre a corrupção que, ao que parece, afastaram antigos simpatizantes.
Tudo isso não impede a avaliação
de que em uma década o Equador teve mudanças econômicas, sociais, políticas e
institucionais inéditas no século XX, algo reconhecido inclusive por diferentes
organismos internacionais como Cepal, Pnud, BM e até o FMI.
Mas o balanço da gestão e os
sucessos de uma década indubitavelmente ganha – em que a liderança do
presidente Rafael Correa tem sido guia e indiscutível -, tampouco foi
suficiente para criar uma consciência social que impeça as possibilidades de
reversão do que foi alcançado.
Não conta, portanto, apenas a
política ou a economia, mas também a consciência social; e trabalhar sobre ela
é um assunto árduo, difícil no tempo. Na América Latina há momentos de
progresso democratizador e outros de largos retrocessos, que esperamos não se
repitam em consequência de decisões populares no segundo turno presidencial que
se realizará no próximo 2 de abril. AP está otimista que triunfará.
Quito, 22/Fevereiro/2017.
*Historiador, investigador e
jornalista equatoriano.
fonte : PCB
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