Stella Calloni desvenda esquema da CIA
Livro “Os anos do
lobo”, da premiada escritora e jornalista argentina Stella Calloni, revela “a
conspiração assassina” contra a democracia na região.
“É imperativo que estas ações se implementem
clandestinamente e com segurança, de maneira que a mão norte-americana e seu
governo permaneçam bem ocultas”
Richard Helms, diretor da CIA, sobre as ações
encobertas no Chile contra Allende, em 1970
“Os cadáveres dos assassinados passavam flutuando
pelo rio e as salas de tortura não descansavam”
Descrição sobre o resultado do
golpe, três anos depois.
Por Leonardo Severo
Stella Calloni desvenda esquema
da CIA
“A Operação Condor foi uma
conspiração assassina entre serviços de segurança da Argentina, Chile, Brasil,
Paraguai, Uruguai e Bolívia, destinada a rastrear e eliminar adversários
políticos sem preocupar-se com as fronteiras ou os limites. Operação
Condor era o código para aquela
multinacional do crime, cuja origem estava nas imensas oficinas da Agência
Central de Inteligência (CIA) e do Burô Federal de Investigação (FBI, nos
Estados Unidos”.
A descrição do “maldito jogo de
xadrez da morte” como descreveu a premiada escritora e jornalista argentina
Stella Calloni em seu livro Os anos do Lobo – Operação Condor (Peña Lillo –
Ediciones Continente, Buenos Aires, 1999), expõe “a política exterior de
Washington em carne viva”.
Prefaciada por Adolfo Pérez
Esquivel, prêmio Nobel da Paz de 1980, a obra descreve com riqueza de detalhes
o envolvimento dos Estados Unidos na sequência de golpes, particularmente no
Cone Sul. No ano em que se completa 50 anos da derrubada do governo de João
Goulart, a publicação é mais do que um estímulo à reflexão sobre os interesses
geopolíticos do imperialismo e das suas transnacionais.
“Os EUA proporcionou inspiração,
financiamento e assistência técnica à repressão e pode haver plantado as
sementes da Operação Condor. A CIA promoveu uma maior coordenação entre os
serviços de Inteligência da região. Um historiador estadunidense atribui a uma
operação da CIA a organização das primeiras reuniões entre funcionários de
segurança uruguaios e argentinos para vigiar os exilados políticos. A CIA
também atuou como intermediária nas reuniões entre os dirigentes dos esquadrões
da morte brasileiros, argentinos e uruguaios”, relata Stella. Porém, assegura a
autora, “os Estados Unidos fez mais do que organizar os encontros: a equipe de
serviços técnicos da CIA subministrou equipamentos de tortura elétrica a
brasileiros e argentinos, e ofereceu assessoramento sobre o grau de choques que
o corpo humano poderia resistir”. Afinal, conforme advertiam os professores dos
torturadores: “o ser vivo pode dar informação e um cadáver não”. “Os agentes de
segurança latino-americanos também receberam treinamento da CIA quanto à
fabricação de bombas, na sede da Oficina de Segurança Pública do Departamento
de Estado do Texas”, informa Stella.
O ALERTA DE PERÓN
“As mãos dos Estados Unidos estão
manchadas com o sangue de milhares de latino-americanos caídos na luta pela
liberdade e independência”, alertava o líder argentino Juan Domingo Perón,
ressaltando que “se equivocam os que afirmam a respeito dos EUA que estamos
vivendo um período de calma”. “Que calma é esta quando estão realizando todo
tipo de atividades secretas, suborno de políticos e funcionários
governamentais, assassinatos políticos, atos de sabotagem, fomento do mercado
negro e penetração em todas as esferas da vida política econômica e social?
Sobre nossos países voam aviões militares norte-americanos enquanto nosso solo
permanece em poder de seus monopólios, com bases militares”.
Naquele início dos anos 70,
enquanto organizava a implementação da política de terrorismo de estado dos EUA
- chamadas candidamente de “ações encobertas” - contra o governo de Salvador
Allende, no Chile, o diretor da CIA, Richard Helms, abriu o jogo: “é imperativo
que estas ações se implementem clandestinamente e com segurança, de maneira que
a mão norte-americana e seu governo permaneçam bem ocultos”.
A maior parte das informações
sobre a Operação Condor veio dos “Arquivos do Horror” descobertos pelo
professor e escritor paraguaio Martin Almada no dia 7 de dezembro de 1992 numa
delegacia de polícia de Assunção. Preso e torturado durante três anos, exilado
por 15 anos, Almada teve sua mulher morta pela ditadura de Stroessner. Stella
repercute as palavras de Almada: “Ali estavam as gravações de meus próprios
gritos, quando me torturavam e que lhe fizeram escutar a minha esposa
Celestina, que morreu do coração ao não poder resistir àquela tortura
psicológica”.
Os documentos encontrados por
Almada eram
arquivos, correspondências, livros de entradas e saídas de
prisioneiros, controle de fronteiras, cartas e informes entre os ditadores, os
chefes militares e de segurança dos países da região, fotografias, fitas
cassete, vídeos, fichas de ‘colaboradores especiais‘, dados de ‘agentes
especiais’ e até mesmo correspondências trocadas por Stroessner com o alto
mando militar. Na luta para passar uma borracha em passado tão comprometedor,
assegura Stella, “os mesmos interesses que possibilitaram o crime, se
encarregaram de minimizar o valor documental do achado”.
Entre outras provas desta “corporação
internacional da morte”, como foi reconhecida pelo The Washington Post,
encontram-se “as cartas dirigidas pelo coronel Robert Scherrer, do Burô de
Investigações dos Estados Unidos, dirigidas a funcionários de Stroessner desde
a sede diplomática em Buenos Aires”. Elas confirmavam que este era um “homem
chave”, e “que sabia muito bem o que significava a Operação Condor”. “Mais
ainda, alimentava com informes e solicitações de informes os criminosos, assim
como outros funcionários estadunidenses e de distintos países”.
Não restam dúvidas, esclarece a
escritora, é que foi no ano de 1974 que a roda da morte começou o seu giro mais
“espetacular”, “pela transcendência política das vítimas”.
“Em 30 de setembro de 1974 o
general chileno Carlos Prats, que havia sido ministro de Defesa de Allende,
entre outros cargos e estava exilado na Argentina, foi assassinado junto a sua
esposa Sofia Cuthbert em Buenos Aires. Uma bomba estourou embaixo de seu
automóvel quando regressava de uma reunião cm amigos.
“Em 19 de dezembro de 1974 foi
assassinado em Paris, França, o coronel uruguaio Ramón Trabal, que não se
mostrou disposto a participar no mais obscuro da repressão no seu país. Trabal
havia confessado suas simpatias pelo movimento dos militares de esquerda em
Portugal e pelos setores progressistas em seu país.
“Porém na realidade foi o
assassinato de Orlando Letelier, ex-ministro da Defesa e embaixador do Chile em
Washington, em setembro de 1976, no chamado ‘Bairro das Embaixadas’, o que pôs
em evidência a Operação Condor. Uma bomba colocada – como se demonstraria logo
– por um grupo operativo do qual participavam Michael Towley (ex-agente da
CIA), enviados especiais da ditadura chilena e terroristas cubanos
anti-castristas matou Letelier e sua ajudante Ronni Moffit”.
Da mesma forma, lembra Stella
Calloni, pairam fortes suspeitas sobre a participação da “Condor” nas
“catástrofes aéreas” que custaram a vida em 1981 do presidente do Equador,
Jaime Roldós – que se opunha às petroleiras estadunidenses – e do líder da
revolução panamenha, Omar Torrijos, que garantiu a retomada do Canal.
MANIPULAÇÃO MIDIÁTICA
O papel dos grandes conglomerados
midiáticos na derrocada das democracias da região, via fabricação da “opinião
pública” para justificar “intervenções”, é bem lembrado ao longo da obra. “A
operação contra o Chile tem sido básica para analisar a importância da
manipulação dos meios de comunicação para fins de desestabilização e guerra”,
descreve Stela. A escritora cita o sociólogo estadunidense Fred Landis, que
analisou o papel da CIA sobre a mídia contra Allende, apontando a escolha pelo
Comitê de Inteligência do Senado dos EUA, já em 1974 – isto é, um ano após o
golpe no Chile -, para um estudo em que, “pela primeira vez, um governo
norte-americano lhe dava caráter oficial a um informe sobre atividades secretas
da Agência Central de Inteligência dos EUA”.
Diante da sequência de crimes,
Perón lembrava que “cada vacilação, cada dia perdido, cada passo atrás na luta
contra a penetração imperialista, representa um êxito para aqueles que
descaradamente seguem explorando nossa riqueza, enriquecendo-se até com o nosso
sangue e nossa grandeza espiritual”.
“Há cifras exatas do genocídio?
Ainda que resulte doloroso somar nestas circunstâncias, podemos chegar à
conclusão de que mais de 400 mil latino-americanos foram vítimas de uma
política de estado terrorista, cuja base esteve desenhada em Washington”,
conclui Stela.
Fonte: ComunicaSul
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