Renato Nucci Jr-
Novamente PT e PSDB polarizam o
pleito para o cargo político mais importante do país, articulando um feixe de
representações partidárias de segunda ordem. Ocorre essa eleição em um contexto
bem distinto das três disputas presidenciais anteriores. A conjuntura nacional,
influenciada pelos efeitos no Brasil da crise econômica mundial e por uma
retomada das mobilizações populares desde junho de 2013, causou uma perda de
popularidade e baixa avaliação de todos os governos e políticos. Tal cenário
afastou a possibilidade de uma vitória relativamente folgada de Dilma e trouxe
para o campo institucional articulado em torno do PT o temor de uma derrota
eleitoral.
Para afastar esse perigo, o campo
majoritário petista saiu a campo e tem empregado todas as armas possíveis.
Dentre elas, acena com o espectro de um retorno da direita ao poder, caso Aécio
Neves ou alternativamente Eduardo Campos, vençam a eleição. O objetivo de
colocar os termos do problema desse modo simplificado visa fortalecer a idéia
de que estaríamos diante de polarização política entre esquerda e direita.
Diante disso não caberiam dúvidas quanto ao que fazer. Não restaria alternativa
a um campo político de esquerda formado a partir da completa conversão do PT ao
centro do espectro político, a não ser tapar o nariz e apoiar Dilma,
pressionando seu segundo mandato por uma guinada à esquerda e ”por um projeto
nacional de desenvolvimento”.
O que não diz o campo majoritário petista e
seus interlocutores nos movimentos populares é que não existe a ameaça da volta
da direita. Pode existir a ameaça de volta ao governo de uma parcela da direita
articulada em torno do PSDB e DEM. Ambos expressam no plano institucional os
interesses e posições econômicas, políticas e ideológicas de uma burguesia
associada ao imperialismo, cuja classe-apoio fundamental é uma
pequena-burguesia reacionária e conservadora. Porém, outra parte da direita
brasileira se mantém aliada aos mandatos petistas. E nesse espectro de forças
encontramos o PMDB dos oligarcas José Sarney e Renan Calheiros; o PR do
latifundiário Blairo Maggi, maior plantador individual de soja do mundo; o PP
de Paulo Maluf, notório corrupto e prefeito biônico de São Paulo; o PSD do
ex-malufista Gilberto Kassab e da latifundiária Kátia Abreu; o PRB do senador
Marcelo Crivella; e o PROS de Ciro Gomes. E até pouco tempo ainda tinha em sua
base aliada o PTB de Fernando Collor, o PSC do pastor Marcos Feliciano e o PSB
do ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos recentemente convertido às hostes
da oposição.
A direita articulada em torno
desse amplo espectro de forças políticas expressa os interesses econômicos e as
posições políticas de uma fração da burguesia brasileira, cujas bases de
acumulação se ligam mais firmemente ao território nacional. Ela não possui um
alinhamento automático ao imperialismo, bem como diverge de aspectos da
política econômica, em vigor desde o segundo mandato de FHC e mantidos pelos
mandatos petistas, de interesse fundamental do capital financeiro. São estes o
câmbio flutuante, a política de juros altos e o de regime de metas de inflação.
Diante do acirramento da concorrência inter-capitalista e da crise econômica
mundial, mostram-se historicamente incapazes de conduzir um projeto
nacional-burguês que encare o imperialismo. Sua pequena margem de manobra para
fazer concessões de natureza democrática, ampliando os direitos econômicos e
sociais das classes dominadas, além de seu profundo temor de que as
mobilizações populares escapem do seu controle, colocam-nas sempre no campo da
reação política. Do ponto de vista das relações com as classes populares, essa
burguesa se comporta da mesma maneira que sua congênere da outra fração:
explorando-o brutalmente no plano econômico e o dominando no plano da política
pelo recurso freqüente à violência e a coerção estatal e para-estatal.
Justificar-se-ia o temor de volta
da direita na próxima eleição, se o atual governo estivesse representando uma
real mudança nas estruturas econômicas e políticas que perpetuam as brutais
condições de exploração e dominação da nossa classe trabalhadora. Mas ocorre o
contrário. Não existe qualquer propósito em realizar reformas de cunho
democrático capazes de diminuir nossas gritantes desigualdades. Ao contrário,
estas são aproveitadas como alavanca para o novo ciclo de expansão e acumulação
capitalista observado nos últimos anos. Vejamos.
Mais de 90% dos empregos gerados
nos últimos anos paga até 1,5 salários mínimos. Na base dessa pirâmide salarial
estão as mulheres, os negros e os jovens. Entre 2003 e 2012 a rotatividade, quando
se considera o período de até um ano de permanência em um mesmo emprego, pulou
de 52% para 64%. Os registros de acidentes de trabalho notificados alcançaram
em 2011 a impressionante cifra de 538.480 casos. Em 2003 esse número era de
399.077. Recentemente o Ministério do Trabalho, aproveitando o clima da Copa do
Mundo, publicou em 3 de junho a portaria 789/2014, que alarga de 90 dias para
até 9 meses o tempo os contratos temporários estabelecidos pela Lei 6019/74. É
a reforma trabalhista sendo emplacada por meio de uma mera portaria
ministerial. Isso sem contar a manutenção de uma política agrária que mantém
uma altíssima taxa de concentração de terra, o retrocesso na política
indigenista, uma política de desoneração fiscal que atende os interesses do grande
capital e a permanente transferência de mais de 40% do Orçamento Geral da União
executado para o pagamento de uma dívida pública controlada pelo sistema
financeiro.
E por fim, para os movimentos
populares que desde junho de 2013 reagem a essa política de expropriação de
direitos sociais e econômicos, tanto a direita que está com o governo como a
que está contra o governo, unem-se na acentuação das medidas repressivas.
Querem agora expropriar os trabalhadores de seus direitos políticos e civis
fundamentais proibindo manifestações, reprimindo-as brutalmente, forjando
provas contra manifestantes, suspendendo liberdades democráticas e ensaiando a
aprovação de leis que criminalizam o protesto social.
Os fatos demonstram, portanto,
que não existe uma polarização no Brasil entre esquerda e direita. Ela é falsa
e pertence ao plano da cena política, onde impera a dissimulação dos interesses
de classe. O que existe é uma disputa entre duas frações burguesas por uma
melhor repartição, através de medidas econômicas tomadas pelo governo federal,
da mais-valia globalmente produzida. E para isso, uma dessas frações tem se
aliado desde 2002 a uma parcela da classe trabalhadora brasileira em torno de
um projeto crismado de neodesenvolvimentista, mas que nada mais é do que
alavancar um novo ciclo de acumulação capitalista. O ineditismo está no fato da
hegemonia dessa frente institucional caber ao PT, partido de origem operária e
popular, que ainda conta com influência em setores organizados da classe
trabalhadora. Para tanto ele usa e abusa de seu capital simbólico, marcado por
uma trajetória de luta junto às classes dominadas, no sentido de legitimar e
dar ares progressistas a um projeto de expansão capitalista que não pode
prescindir da brutal exploração dos trabalhadores. O apoio de parcelas da
classe trabalhadora a esse projeto tem sido garantido pela ampliação de
empregos, precários e de baixos salários, que permitem o consumo de bens
duráveis através da popularização do crédito e do endividamento familiar, e
pelas políticas compensatórias.
Esse é o caráter real da eleição
presidencial de outubro. Não há uma polarização entre esquerda e direita, mas
uma disputa que opõem uma parte da burguesia e da direita a outra parte da
burguesia e da direita. O que faz o PT, como força política hegemônica no
interior de uma dessas frentes institucionais, é costurar uma aliança com
parcela da direita, usando para isso seu capital simbólico e sua legitimidade
histórica, para derrotar outra parcela da direita.
Campinas/SP, julho de 2014.
--Renato Nucci Jr. é militante da
Organização Comunista Arma da Crítica
Fonte Diario Liberdade
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