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Jornalismo e cumplicidade não são o mesmo. Não está em pauta, na CPI do Cachoeira, o sigilo de fontes jornalísticas
Jornalismo e cumplicidade não são o mesmo. Não está em pauta, na CPI do Cachoeira, o sigilo de fontes jornalísticas
Brizola Neto
Ninguém se interessa em saber
qual foi a fonte do senhor Policarpo Júnior, da Veja, para os oito anos de
matérias bombásticas, com gravações de diálogos escusos e revelação de supostos
negócios ilegais.
Não tem interesse, porque todos
já sabem: Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, o “empresário de jogos”.
O que se quer saber é outra
coisa: como foi o pacto de interesses políticos firmado entre a revista e o
contraventor.
Carlos Cachoeira não forneceu uma
ou duas informações à Veja. Teve, sim, uma longa convivência que, em termos
biológicos, teria o nome de mutualismo: uma interação entre duas espécies que
se beneficiam reciprocamente.
Cachoeira usava a Veja como
instrumento de seu esquema de coação, chantagem, propinagem.
Veja usava Cachoeira como fonte
de combustível para a fornalha de seu ódio político contra governos de
esquerda, Lula e Dilma.
A maior prova é que as ligações
de Cachoeira com Demóstenes Torres e Marcone Perillo, dois aliados de Veja no
campo político, nunca foram objeto de apuração por parte da revista.
Ao contrário, o tal “grampo” do
diálogo entre Demóstenes e o então presidente do STF, Gilmar Mendes, foi
apresentado como resultado de arapongagem governista e fez estragos dentro da
Polícia Federal.
Repíto: não se quer saber quem
era a fonte de Veja, porque isso já se sabe, mas quais foram as relações entre
a revista e a editora Abril no uso de gravações clandestinas, que eram as
ferramentas de chantagem de Cachoeira.
Não existe “sigilo de fonte” na
decisão interna de um órgão de imprensa em manter uma longa sistemática relação com um bandido.
Qualquer jornalista sabe a
diferença entre receber informações de um bicheiro sobre algum caso e a de,
sistematicamente, receber dele material clandestino que incrimine os policiais
que lhe criem problemas. Sobretudo, durante anos e sem qualquer menção à luta
de submundo que se desenvolvia nestes casos.
No primeiro caso, é jornalismo. É
busca da informação e sua apresentação no contexto em que ela se insere.
No segundo, é cumplicidade. É uma
associação para delinquir, criminal e jornalisticamente.
No crime, porque viola, de forma
deliberada, direitos e garantias constitucionais. No caso Murdoch, o escândalo
foi seu jornal ter grampeado telefones por razões políticas. Neste, o de ter
utilizado por anos gravações clandestinas fornecidas por um terceiro, umn
contraventor.
Sob o ponto de vista
jornalístico, a pergunta é: se o “grampeador” de Murdoch tivesse trabalhado de
graça, o seu jornal, News of the World,
teria menos culpa?
Cachoeira trabalhou “de graça”
para a revista, mas a revista sabia perfeitamente de seus lucrativos interesses
em fornecer-lhe “o material”.
Seria o mesmo que o repórter de
polícia, durante anos, saber que a fonte das informações que recebia as
transmitia por estar interessado em “tomar” outros pontos de bicho e ampliar
seu império zoológico.
É irrelevante se o repórter fazia
isso por dinheiro ou por prestígio.
Repórter que agia assim, no meu
tempo, chamava-se “cachorrinho”. E tinha o desprezo da redação.
Não se ofenda a profissão
confundindo as duas coisas e nem se diga que o sr. Policarpo é mero repórter. É
alguém, que pelo seu cargo, tem realções diretas com a administração
empresarial da revista.
Não tem sentido falar em
“preservação de fontes jornalísiticas” quando a fonte e o relacionamento entre
ela e um editor – não um simples e inexperiente repórter – já são objeto de
registro policial devidamente autorizado pela Justiça.
Sobre o que Veja e Cachoeira
conversavam está no processo, não há sigilo a se quebrado aí.
O que se quer saber é como e
porque Veja e Cachoeira viveram esta longa relação mútua e que benefícios para
uma e outro advieram dela.
Por isso, o senhor Policarpo
Júnior deve prestar, como testemunha, declarações à CPI.
Poderá alegar preservação de
fontes quando for perguntado se a direção da editora sabia a origem do material
que publicava?
Não parece que isso seja sigilo
profissional, do contrário Murdoch escaparia ileso.
As gravações hoje pelo jornalista
Luis Carlos Azenha,no Viomundo, reveladas a partir dos documentos publicados
pelo Brasil 247, são uma pá de cal no tal segredo de justiça que, todos estão
vendo, não existe mais.
Dois bandidos assumem que
dirigiam as publicações de “escândalos” na Veja.
E isso é um escândalo, que não
pode ficar oculto.
Ocultar fatos, sim, é que é um
atentado à liberdade de imprensa.
Brizola Neto é ministro do
Trabalho
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