por Paulo Metri
Em certos instantes, ocorre o que
todos os responsáveis pela segurança nacional temem, que é um de seus agentes
passar a ter consciência crítica dos atos de que participa. Recebi um texto,
que parece ser de um destes agentes, que não conheço, e muito menos sei se é um
caso real. Minha primeira reação foi pensar que, se verdadeiro, o texto era de
uma pessoa atormentada, que escolheu transbordar as suas angústias com a minha
pessoa, como se eu já não as tivesse em profusão.
Ao acabar de ler o texto, fiquei
esperando alguns gângsteres derrubarem a porta da minha casa para me levar.
Corri para ver se o meu seguro de vida estava em dia, pois pelo menos minha
família teria algum dinheiro para se recuperar da desgraça.
Como a porta continuou intacta e
estou ansioso para contar minha apreensão, transcrevo a seguir o texto, já
traduzido.
Segundo quem o escreveu, trata-se
da descrição de uma reunião em um salão com uma enorme mesa, em volta da qual
estão muitos homens e mulheres.
Agente 1 – Vamos tratar, hoje,
das nossas iniciativas para a colocação do petróleo do pré-sal brasileiro para
ajudar o abastecimento da economia mundial.
Agente 2 – Desculpe-me por
interromper tão cedo. Mas o gás de xisto já não teria resolvido a questão do
abastecimento mundial de combustíveis?
Agente 1 – O esgotamento dos
campos de gás de xisto tem ocorrido mais cedo do que o previsto, requerendo
investimentos adicionais para a região poder continuar produzindo. Além disso,
existem problemas ambientais não resolvidos, que a população passará a
conhecer, graças à atuação de entidades ambientalistas.
Agente 3 – Mas, temos controle de
muitas delas.
Agente 1 – Sim, mas não de todas.
Entretanto, não vamos discutir, hoje, o gás de xisto. Em resumo, nossos
especialistas garantem que ele será importante principalmente para nossa
economia, mas não será suficiente para se contrapor ao declínio da produção mundial
de petróleo e gás, se não considerarmos a entrada do Pré-sal e a adoção de
outras medidas.
Agente 3 – Quais?
Agente 1 – Dobrar o México para
permitir a exploração da sua parte no Golfo, “torcer” para muito petróleo ser
descoberto na margem equatorial do Brasil, que já foi entregue em parte, e
descobri-lo também em umas poucas regiões do planeta, que ainda podem
possuí-lo.
Agente 4 – Contudo, o
abastecimento mundial corre perigo. Certo?
Agente 1 – Com um energético ou
outro, o mundo será abastecido durante, pelo menos, uns 30 anos, mas poderá ser
com uma fonte mais cara que o petróleo atual, acarretando realinhamento de
preços de produtos e serviços, abandono de alguns consumos, escassez e outros
reflexos. Deverá ser traumático para a sociedade mundial.
Agente 2 – Se a OPEP aumentasse
sua produção, acabando com o acordo de cotas...
Agente 1 – Quanto a aumentar a
produção, estamos trabalhando para que isso ocorra. Se conseguirmos o aumento
da produção é porque o sistema de cotas foi esquecido. O grande problema é a
Arábia Saudita, pois o serviço de informações diz que suas reservas são menores
do que as declaradas e, assim, ela não conseguirá aumentar muito sua produção.
Já tomamos posse das reservas do Iraque e da Líbia e estamos trabalhando para
tomar as do Irã. Obviamente, a queda do regime Sírio, neste momento, irá
facilitar o acesso ao Irã.
Agente 3 – E o petróleo da
Venezuela?
Agente 2 – A Venezuela tem a
maior reserva mundial, mas grande parte dela é de petróleo pesado. E, para
aumentar a produção venezuelana, as forças bolivarianas terão que aprovar. Por
outro lado, não é oportuno abrir nova frente de atrito no mundo.
Agente 4 – E a situação do
Brasil?
Agente 1 – Tem muito petróleo lá
e de boa qualidade. Só o existente no Pré-sal é, no mínimo, 100 bilhões de
barris. Os brasileiros não sabem o mar de petróleo que possuem. Trata-se de um
país com um governo dócil, a mídia está completamente dominada e é a nosso
favor, e consequentemente, possui uma sociedade bastante alienada. Enfim,
existem as condições ideais para trabalharmos para nossas empresas assinarem
contratos de transferência do petróleo deles para elas.
Agente 5 – Eles assinam estes
contratos?
Agente 1 – Sim. São as concessões
e os contratos de partilha que eles assinam. É preciso passar pelos leilões,
cujo único problema era a estatal deles que, no governo anterior, disputava
realmente os blocos. No atual governo, ela está contida pela administração
brasileira e, desta forma, conseguiremos fechar muitos contratos de
transferência da posse do petróleo deles, obviamente, pagando uma compensação
pequena para eles, os royalties.
Agente 5 – Você vinha com uma
linha de raciocínio sobre a importância da produção do petróleo brasileiro e
creio que você não a concluiu.
Agente 1 – Sim. A entrada firme
do petróleo brasileiro no mercado mundial será importante para o equilíbrio
deste mercado e, assim, influir para o barateamento do preço do barril. Irá
também diminuir o poder da OPEP de ditar este preço. Além disso, nossas empresas
terão muitos lucros, a economia mundial continuará recebendo um combustível
barato, nossas refinarias terão o insumo garantido durante razoável prazo e
nossos fornecedores de bens e serviços do setor de petróleo terão encomendas
garantidas.
Agente 4 – Vai ocorrer, agora, o
leilão do campo de Libra, com 12 bilhões de barris, no mínimo. Você acha que
vai ter reação popular? O ‘efeito Snowden’ irá interferir?
Agente 1 – Não. O povo não está
sabendo de nada. A mídia esconde tudo muito bem. Nossos indicados para cargos
no governo brasileiro têm se saído bem e o próprio governo tem se mostrado
muito cooperativo. Enfim, temos tido êxito total. Só tenho um medo. Que o povo,
alertado por incansáveis patriotas, desperte da letargia em que vive e reivindique
o que é seu. O caso Snowden será esquecido, assim que o campeonato de futebol
deles avançar.
Agente 4 – O Brasil vive em uma
democracia. Não tem chance de aparecer um líder nacionalista, nas próximas
eleições, que irá rever todos estes contratos assinados?
Agente 1 – Não. Não há esta
hipótese. Para a eleição de 2014, existem cinco fortes nomes para a presidência
da República e todos são neoliberais e do nosso lado. Não há grande liderança
nacionalista no país, excetuando um senador de um estado do sul, que felizmente
não conseguirá sair candidato a presidente pelo seu partido.
Agente 4 – Eles vão ter eleições
gerais em 2014?
Agente 1 – Vão. Mas, graças à
nossa eficiente estratégia de alianças e apoios, e aos trabalhos dos
marqueteiros, vamos conseguir eleger os nossos candidatos, como tem ocorrido.
Assim, chegamos ao objetivo principal desta reunião, que é distribuir tarefas.
Nota do autor: o presente texto é
uma ficção. Qualquer semelhança com pessoas ou situações do mundo real, do
momento atual ou do passado, é mera coincidência.
Paulo Metri é conselheiro do
Clube de Engenharia
Blog do autor:
http://www.paulometri.blogspot.com.br/
fonte :Correio da cidadania
Nenhum comentário:
Postar um comentário