por Nicolau Soares e Rodrigo Gomes
Secretários municipais de Saúde
de cidades do Norte e Nordeste brasileiros estão animados com a possibilidade
de a população receber atendimento médico por meio do programa federal Mais
Médicos, independente da nacionalidade dos profissionais. Gestores públicos
ouvidos pela reportagem da RBA destacam que o importante é a população ter
acesso à atenção básica em saúde e apontam preocupações mais cotidianas e menos
ideológicas sobre o processo. Os profissionais cubanos começam o atendimento às
populações no próximo dia 16.
Segundo o Ministério da Saúde, os 400 médicos
cubanos que atuarão na primeira etapa do programa, por meio de acordo firmado
ontem (21) entre o Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana de Saúde,
serão direcionados aos 701 municípios que não despertaram o interesse de nenhum
profissional inscrito, seja brasileiro, seja estrangeiro. A maioria das cidades
(68%) apresenta os piores índices de desenvolvimento humano do país (IDH muito
baixo e baixo) e 84% estão no interior do Norte e Nordeste em regiões com 20%
ou mais de sua população vivendo em situação de extrema pobreza. Os demais 358
estrangeiros cadastrados no Mais Médicos vão para as cidades escolhidas no
processo de inscrição no programa.
A secretária de Saúde de Jaboatão dos Guararapes
(PE), Geciane Paulino, afirma que já conhece e tem boas referências sobre o
trabalho dos médicos cubanos. “Eu trabalhei em Cabo do Santo Agostinho (PE), de
2001 a 2004, e a experiencia lá foi muito positiva. Os médicos atendiam muito
bem à população, que tinha um entrosamento muito grande com eles”, contou.
Geciane considera que a reclamação das entidades médicas se pauta pela reserva
de mercado. “Quem faz a gestão do SUS não pode ficar restrito à preocupação de
uma categoria profissional. Temos que pensar em todos os brasileiros”, afirmou.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) condena o programa avaliando que será uma
tragédia.
Jaboatão dos Guararapes é uma cidade com 654
mil habitantes na região metropolitana de Recife, governada pelo prefeito tucano
Elias Gomes. Apesar de ser uma cidade cujo Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH) é alto (0,717), há desigualdade no atendimento entre as periferias e as
regiões mais centrais, o que se espera ser corrigido com o Mais Médicos. “A
região metropolitana tem muita infraestrutura em equipamentos de lazer e outras
coisas, porém, Jaboatão é um município com sérios problemas. Os médicos virão
atuar justamente nas áreas de favelas”, explicou Geciane.
O Mais Médicos foi alvo desde o começo de
ataques das entidades de classe, que são contra a vinda de profissionais
estrangeiros e argumentam que o mais relevante é garantir melhores condições de
trabalho, e que não há déficit. Mas, segundo o ministério, o Brasil tem 1,8
médico por mil habitantes, enquanto na Argentina a proporção é 3,2; no Uruguai,
3,7; em Portugal, 3,9; e no Reino Unido, 2,7. A longo prazo, o programa federal
prevê aumentar a formação de médicos, passando de 55 mil para 108 mil
matrículas em quatro anos. A expectativa é criar 1.500 novos cursos em um total
de 117 municípios atendidos por instituições particulares e públicas, 60 a mais
do que o atual.
Após um recuo inicial, o governo acabou
fechando convênio para trazer os profissionais de Cuba. O advogado-geral da
União, Luís Inácio Adams, defendeu hoje a decisão. "Temos 700 municípios
sem médico e extrema carência de médicos no interior do país", afirmou.
Adams lembrou que o sistema já é praticado por Cuba em acordos com outras
nações.
O ministro das Relações Exteriores, Antônio
Patriota, também rebateu as críticas dos que veem o programa por um viés
ideológico. “A ideia é atrair o médico que esteja disposto a trabalhar. Não há
um viés ideológico, mas, ao contrário, um viés humanitário”. Patriota destacou
que o acordo respeita regras internacionais. “É algo aceito internacionalmente,
dentro das estratégias de saúde. O acordo com a Organização Pan-Americana da
Saúde garante que estamos procedendo dentro das melhores práticas”, afirmou.
Barreirinha, no Amazonas um dos municípios
beneficiados pela medida, também celebrou o anúnio. A coordenadora de
Planejamento da Secretaria Municipal de Saúde, Thaís Caldeira, disse que a
gestão está ansiosa pela chegada dos profissionais. “Acreditamos que o programa
tem grande possibilidade de dar certo no interior do Amazonas porque nossa
necessidade é muito grande”, disse, apontando uma questão que deve ser
considerada na escolha dos profissionais. “Para nós, a preocupação é com a
comunicação entre médicos e as populações indígenas de nossa cidade”,
completou. A cidade amazonense é administrada por Mecias Pereira Batista (PSD),
tem 27 mil habitantes, possui IDH baixo (0,574) e fica na divisa com o Pará.
De onde quer que venham, os médicos serão bem
recebidos em Cabixi (RO), segundo o secretário de Saúde, Wilson de Oliveira.
Para ele, só interessa saber se o atendimento será bom. “Sempre se fica com o
pé atrás sobre alguém que você não conhece, se vai ser bom, se vai ser ruim.
Queremos que sejam pessoas que atendam bem à população e que conheçam os
princípios da atenção básica. Se vão ser cubanos, paulistas ou gaúchos, não
importa”, disse. A cidade, administrada pelo prefeito Izael Dias Moreira (PTB),
tem 6 mil habitantes e uma área de pouco mais de um quilômetro quadrado. Cabixi
tem IDH 0,65, considerado médio.
As três cidades citadas não foram selecionadas
na primeira leva de cadastros do programa. No total se candidataram 1.618
profissionais, sendo 1.260 brasileiros e 358 estrangeiros. Como não houve
interesse em 701 cidades, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, firmou o
acordo com a Opas para a vinda dos 4 mil médicos cubanos. Os primeiros 400
chegam na próxima segunda-feira (26).
Segundo o ministério, os cubanos serão
recebidos em Brasília, Salvador, Recife e Fortaleza. Como os demais
estrangeiros, ficarão em alojamentos militares e farão um curso preparatório de
três semanas, até 13 de setembro, abrangendo língua portuguesa, funcionamento
do Sistema Único de Saúde (SUS) e legislação. Eles farão avaliações de
desempenho, além de visitar unidades de saúde nas cidades em que estiverem.
Manifestações favoráveis
O presidente do Conselho Nacional dos
Secretários Municipais de Saúde (Conasems), Antônio Carlos Nardi, é bastante
objetivo no entendimento da vinda de médicos estrangeiros. “A partir do momento
que os profissionais do mercado interno, formados em nossas universidades, não
preencheram os postos do setor público para o atendimento básico à população no
Saúde da Família e nas Unidades Básicas de Saúde, tendo sido aberto o edital
para países estrangeiros com acompanhamento de universidades federais e do
Ministério da Saúde, somos absolutamente favoráveis a que venham e deem o que a
população pede e o que o sistema necessita”, afirmou.
Desmistificando as críticas de que o problema
estaria na estrutura de atendimento e não na falta de profissionais, Nardi
defendeu que esta não é uma ação isolada ou eleitoreira, como acusa o Conselho
Federal de Medicina. "Há um programa de qualificação ou construção de
novas UBS, para dar condições de ambiência e bom exercício profissional para
médicos, dentistas, enfermeiros, todas as profissões da área de saúde. Fora
recursos que foram investidos para as prefeituras equiparem e reformarem UBS
pré-existentes."
Nardi também considera que não há necessidade
de preocupação em reservar o mercado de trabalho aos profissionais brasileiros.
“É importante lembrar que são profissionais que vão atuar exclusivamente na
atenção básica, fazer promoção de saúde e prevenção de doenças, principalmente
as crônicas não transmissíveis. Não vão atuar em unidades de terapia intensiva
ou como profissionais privados, o que, aí sim, ofereceria um risco econômico
para a categoria médica”, explicou.
A prefeita de Guarujá (SP), Maria Antonieta de
Brito (PMDB), rebateu as críticas contra a vinda de médicos estrangeiros com
exemplo de sua própria cidade, durante audiência da Comissão de Direitos
Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado, na manhã de hoje (22).
“Eles possuem esta experiência de estar lá, onde há maior necessidade, e a
capacidade de entender o outro, aquele que muitas vezes vem da lama, de
chinelinho”, afirmou. A prefeita assegurou que eles possuem plena capacitação
em atenção básica e grande compromisso no atendimento às pessoas mais pobres.
"O maior problema na área da saúde é,
sim, a carência de médicos", disse o secretário de Saúde do Estado da
Bahia, Jorge Solla, também presente à audiência. “Quando se pergunta ao
cidadão, ele efetivamente responde e identifica como o maior problema a falta
de médicos. Ele vai ao posto e encontra enfermeiros e outros profissionais, mas
não encontra médicos disponíveis para atendê-lo na hora em que necessita”, reclamou.
Solla apontou ainda que dados do Cadastro
Nacional dos Estabelecimentos de Saúde demonstram que está crescendo a
diferença entre a oferta de vagas para médicos e a quantidade de profissionais
empregados. Em 2010, havia 2,6 postos de trabalho por profissional. Hoje essa
relação é de três vagas para cada médico.
A polaridade estabelecida no debate sobre o
tema é uma distorção da essência da questão, segundo a presidenta do Conselho
Nacional de Saúde (CNS), Maria do Socorro de Souza. “É um direito de cidadania
da população brasileira e isso custou alto para a sociedade, que sempre teve
seus direitos negados pelo Estado, principalmente na saúde”, afirmou. E
prosseguiu no que acredita ser uma das fontes do problema: “O país precisa
interiorizar políticas públicas focadas no fim das desigualdades regionais,
porque muita gente sai do campo e das florestas para as cidades exatamente por
não haver uma descentralização no desenvolvimento”, disse.
fonte Solidários blogspot.com
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