Militantes do movimento reclamam de blindagem política do
governo do Estado, que barra investigações e não dialoga com os familiares;
defensoria pública segue com a defesa pela federalização dos casos.
O Tribunal de Justiça de São Paulo considerou o Estado de
São Paulo culpado pela morte de Edson Rogério Silva dos Santos, filho de Débora
Silva, uma das mães que perderam seus filhos entre os dias 12 e 21 de maio de
2006. Ela, que integra o Movimento Mães de Maio, deve receber indenização de R$
165,5 mil e pensão mensal, conforme a decisão. No entanto, Débora ressalta que
mais importante do que o dinheiro é a porta que se abre para a investigação das
execuções e desaparecimentos, ocorridos em 2006.
Em maio daquele ano, grupos de ação de extermínio promoveram
um revide aos ataques da facção criminosa PCC. Nessa onda de violência, cerca
de 493 pessoas morreram e, deste número, mais de 400 delas eram negras, jovens
e pobres. “Os mortos de 2006 estão em covas coletivas, enterrados como
indigentes. Nós queremos a exumação dos corpos, caso contrário o estado
reafirma sua posição nada democrática, do governo que prefere ocultar
cadáveres”, protesta Débora.
Débora relata que a maior dificuldade para o movimento é obter
atenção justa por parte das autoridades de segurança pública do Estado de São
Paulo. Segundo ela, a decisão da ministra da Secretaria de Direitos Humanos,
Maria do Rosário, de promover a investigação com a colaboração das polícias
estadual e federal, é uma evidência de que o governo de São Paulo tenta
encobrir os casos de 2006. “Os promotores do Foro da Capital parabenizaram os
policiais pela eficiência durante os crimes de maio. Eles disseram sentir muito
pelas mortes de agentes públicos. Até hoje, nem mesmo um ‘sinto muito’
recebemos do Estado”, afirma Débora, que defende a federalização do caso. Para
ela, “há evidências suficientes para dar prosseguimento às investigações, que
estão arquivadas, não somente para evitar o julgamento de agentes públicos, mas
também por estar alinhado a uma política de acesso restrito à justiça, que
isola a sociedade pobre que já é reprimida”.
Para Francilene Gomes, irmã de Paulo Alexandre Gomes,
desaparecido durante os Crimes de Maio, a decisão do TJ só foi possível com a
articulação dos movimentos sociais sendo que, na sua opinião, o relatório da
ONG Justiça Global foi essencial para a decisão no caso de Edson. “Se dizem que
não há provas, esse documento mostra todas as evidências possíveis recolhidas
na imprensa, com base em boletins de ocorrência e depoimentos de autoridades de
segurança pública. Mas ainda falta muito”, desabafa Francilene, que defendeu
dissertação de mestrado sobre os crimes de maio e as violações de direitos
humanos, na PUC-SP.
Relatório mostra indícios de execução das vítimas
Produzido pela ONG Justiça Global, em parceria com a
Universidade de Harvard, o documento afirma que “muitos casos apresentam
indícios concretos de que vítimas teriam sido executadas. Em alguns deles, as
lesões das vítimas – como as provocadas por disparo em curta distância (queima
roupa), disparos na nuca, múltiplos disparos de cima para baixo, concentrados
na área do coração, e outros ferimentos incompatíveis com confrontos – levantam
sérias dúvidas sobre a existência e natureza dos confrontos alegados por
policiais”.
“O que tivemos de resultado, com a força dos movimentos
sociais e das Mães de Maio, foi conseguir que meu irmão e mais três rapazes
fossem reconhecidos como desaparecidos com a instauração de inquérito. Isso é muito
difícil acontecer, pois o desaparecimento não oferece a materialidade do crime
e, portanto, não existe cadáver para instaurar o inquérito. Só que os casos
acabaram sendo arquivados um ano depois, em 2007. Mas é claro que a decisão do
desembargador do TJ foi um lampejo de esperança para o movimento”, diz
Francilene.
Segundo o presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB
de São Paulo, Arles Gonçalves Júnior, os casos de civis não foram solucionados
por falta de provas concretas. Para ele, é mais fácil obter resultado efetivo
para os casos que envolvem agentes públicos devido à quantidade de informações
sobre as vítimas. “É certo que conseguimos solucionar os casos de assassinatos
de agentes públicos, pois eles faziam parte de um grupo que já investigava os
passos do PCC. Mas como solucionar casos em que não há provas técnicas sólidas?
Muitos criminosos resolveram atritos entre si para jogar na conta do Estado.
Por isso, vale ressaltar que não jogamos os casos na gaveta. Mantemos todas as
investigações, mas elas são congeladas, não pelo simples arquivamento, mas sim
pela impossibilidade de solução do caso”, afirma Gonçalves.
O presidente da comissão diz ainda que “não descarta a
possibilidade de crimes por parte de policiais, mas considera muito mais
complexa a situação e a dificuldade nas investigações dos civis comuns”.
Enquanto isso, o Movimento Mães de Maio continua cobrando
justiça. “Quero que nossa vitória não seja resumida a indenizações. É preciso
deixar muito claro que PM matar filho não é normal. Seja um trabalhador ou um
bandido, não é porque a pessoa tem ficha na polícia que merece ser executada na
primeira oportunidade”, diz Débora. “Não podemos achar normal criminalizar a
pessoa pela sua classe social. Os valores estão invertidos e chegou a hora de
perseguimos os crimes dos bandidos de colarinho branco, e não os negros pobres
da periferia”, finaliza.
De acordo com uma pesquisa da Unicef e do Observatório de
Favelas, publicada em 2009, caso as estatísticas permaneçam com o crescimento
habitual de execuções, até 2012, no Brasil, haverá mais 33,5 mil jovens mortos,
sendo que o risco para os negros é três vezes maior em comparação aos brancos.
Fonte: Revista Forum- por Sâmia Gabriela Teixeira
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